Carta publicada em um jornal angolano:
O Anjo Dançarino
“Michael Jackson, o anjo dançarino, deixa-nos um legado verdadeiramente transcendental de Arte Sonora que cobre a nossa alma, quando escutada”.
Os anjos pregaram-nos uma grande peça. Em vésperas do tão esperado
concerto de Londres, roubaram-nos o Michael Jackson. Mas, vistas bem as
coisas, o génio de Michaell Jackson só prova que ele desceu à Terra por
pura brincadeira, ou, se quisermos ser mais precisos, por um puro
capricho do destino. É que Michael Jackson é também ele um anjo. Um anjo
dançarino.
Cinquenta anos fora do seu habitat natural, os arcanjos do Céu
encheram-se de ciúmes e resolveram que o grande espectáculo programado para Londres a 12 de Julho devia ser exibido na verdadeira “Neverland”, a original, da qual o rancho construído pelo cantor na Califórnia é apenas uma versão aproximada.
Tal como no livro “Peter Pan”, de J. M. Barrie, que começa assim:
“All children except one grow up”, Michael Jackson foi a única criança
norte-americana que jamais cresceu. Se achava Peter Pan, chamou para si
os rapazes perdidos da América, até que um qualquer Capitão Gancho
resolveu caluniá-lo perante as barras da Justiça. Esse foi o segundo
grande indício da sua incompatibilidade com o mundo dos homens.
Tal como Peter Pan, Jackson não crescia, porém o mundo à sua volta
mudava vertiginosamente: por isso construiu no meio das cidades humanas
uma Terra do Nunca, onde só podiam viver as crianças e os animais também inocentes. Claro que um anjo mal sabe andar, quanto mais dançar!
Daí a inventar a espectacular passada do Robot e a do Moonwalk foi apenas o instante de voltar ao palco do seu mundo virtual para virar simplesmente “a personalidade mais conhecida mundialmente”. O sofrimento dos homens fazia doer-lhe o coração. Entregou milhões de dólares para obras de caridade e para a gestão de 39 centros de beneficiência.
E toda a vida de Michael Jackson seria um desafio às leis da Natureza,
uma tentativa frustrada de adaptação a uma sociedade que o excitou pelo
fanatismo e que o caluniaria por desconhecer que ele só podia viver com
os outros anjos da Terra, as crianças. Agora, de regresso à sua terra
imortal, Michael Jackson, o anjo dançarino, deixa-nos um legado verdadeiramente transcendental de Arte Sonora que cobre a nossa alma,
quando escutada.
Ainda que eu viva mil anos, jamais poderei ouvir a magistral composição ‘Billie Jean’, sem que o meu coração se agite, fazendo menção de outra dança nos escaparates do silêncio interplanetário.
A seguir a essa canção existe ‘Dirty Diana’ para agitar a minha natural
inclinação para a dança e, penso, a de qualquer outro mortal. ‘Earth
Song’ (Canção da Terra) é outro produto cultural saído daquela máquina
celestial de cantar e dançar que continua a ser Michael Jackson.
Os imitadores angolanos do Rei da Música Pop choram lágrimas amargas de dor. Eu não. Michael Jackson não morreu. Mesmo quando parou de cantar.
Agora mesmo, ponho ‘Billie Jean’ a tocar, o Michael Jackson desce outra
vez à Terra e vem dançar na minha sala. Eu levanto-me e danço com ele.
Lá pela meia-noite, o cantor despede-se com aquele toque de magia, a
pensar com os pés que aqui é a lua, e eu lhe digo “estamos juntos,
man’Jackson.”